Zé Eduardo e João Paulo terminaram "trabalhos de casa"

Hot Clube recebeu ontem concerto dos dois músicos, que não tocavam juntos há 32 anos. Antes realizou-se uma conversa com Bernardo Moreira (Binau), Claus Nymark e Mário Delgado.
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Quando Manuel Jorge Veloso e António Curvelo desafiaram o contrabaixista Zé Eduardo a participar no ciclo "Histórias de jazz em Portugal", dando-lhe a hipótese de um concerto com carta branca, o músico rapidamente escolheu o pianista João Paulo Esteves da Silva, com quem não tocava há mais de três décadas.

Ontem à noite voltaram a encontrar-se em palco, terminando assim os "trabalhos de casa", como disse Zé Eduardo. Mas antes de João Paulo Esteves da Silva subir ao palco, o contrabaixista interpretou alguns standards a solo, começando por On Green Dolphin Street (Bronislaw Kaper-Ned Washington), seguindo para Bye Bye Blackbird (Ray Henderson-Mort Dixon) e terminando com Caravan (Duke Ellington-Irvining Mills).

Já com o pianista, Zé Eduardo voltou a uma série de temas que os dois em tempos tinham tocado juntos. Passaram por compositores como Steve Swallow (com Falling Grace), Kenny Wheeler (com Summer Night, Smatter e Everybody"s Song but my Own), Keith Jarrett (Rainbow), Richie Beirach (Stray), tendo terminado a atuaçao com The Glidee (de Ralph Towner), sem antes João Paulo salientar como Zé Eduardo "foi uma pessoa muito importante" no seu percurso e com quem muito aprendeu, tendo mesmo referido que o concerto seria sempre "um risco" pela comoção que envolvia. No final Manuel Jorge Veloso afirmou como aquela tinha sido uma noite histórica e o encontro destes dois músicos, passados 32 anos, teve realmente esse peso.

Mas antes da atuação houve tempo para uma conversa com o contrabaixista Bernardo Moreira, mais conhecido no meio jazzístico português como Binau, o guitarrista Mário Delgado e o trombonista Claus Nymark, músico dinamarquês mas há muito estabelecido em Portugal.

Bernardo Moreira salientou como os músicos da nova geração de jazz "têm um conhecimento enorme da técnica" e isto acontece porque atualmente "há muitas melhores condições", dada a proliferação de escolas. "No meu tempo não havia discos nem livros, era mesmo um milagre, nem sei explicar".

O facto de hoje existir um conhecimento da técnica e da teoria muito mais avançado foi também salientado por Claus Nymark, que no entanto não deixou de lamentar o cenário que muitos músicos de jazz enfrentam nos dias de hoje: "Há cada vez mais músicos, mais competitivos e criativos. Mas ser músico de jazz é muito frustrante. Temos acesso a quase tudo para aprender, mas depois falta uma consequência a esse acesso à educação. Os músicos têm muito poucos sítios onde podem tocar".

Bernardo Moreira sugeriu mesmo que seria muito mais proveitoso investir num circuito de clubes onde os músicos pudessem mostrar o seu trabalho do que em festivais.

O guitarrista Mário Delgado lembrou ainda como "cada vez mais o músico de jazz tem de ter outra atividade para sustentar a sua carreira". "Às vezes os líderes [de formações] abdicam de receber para pagar aos seus músicos", lembrou.

Se nos tempos em que Bernardo Moreira (Binau) estava mais no ativo a possibilidade de gravar "era uma miragem", como referiu António Curvelo, hoje o cenário é completamente diferente. Mas, como Claus Nymark explicou, "ninguém hoje grava um disco para ganhar dinheiro, mas sim para promover o seu trabalho e, a partir daí, arranjar alguns concertos".

Em discussão esteve ainda o panorama da proliferação das escolas. "O jazz não se aprende nas escolas, apenas a teoria e a técnica. Depois os músicos fazem o seu percurso. É um erro alguém entender que vai para a Faculdade de Letras aprender a ser escritor, por exemplo. E o mesmo aqui. O pior é quando os alunos ficam satisfeitos em saber só a teoria", referiu Moreira.

Ouviram-se no Hot Clube músicas em que cada um dos convidados esteve envolvido, inclusivamente um inédito de Paula Oliveira com a colaboração de Binau.

A conversa terminou centrada na obra de Zé Eduardo. Claus Nymark lembrou como teve o seu primeiro contacto com o músico em 1990/91. "Aprendi imenso tocar em big bands com ele e ao observá-lo ia roubando ideias", confessou.

Mário Delgado, que foi aluno do contrabaixista, recordou como essa experiência foi também "marcante". "Entender o Zé Eduardo como professor é quase como ir à tropa, é como um sargento. Ele faz as pessoas pensar se realmente têm disponível o amor que é preciso". O seu papel de compositor não foi esquecido. "Ele passeia por muitos estilos com um saber muito próprio e fundamentado", assinalou o guitarrista.

Já Bernardo Moreira salientou como no jazz português "há um antes e um depois de Zé Eduardo", destacando o papel importantíssimo que o músico teve na criação da Escola de Jazz do Hot Clube, hoje denominada Escola de Jazz Luiz Villas-Boas.

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